domingo, 10 de julho de 2011

Segundo Filomeno Vieira Lopes. O enriquecimento ilícito, a corrupção e a gasosa


“É verdade que o nosso mal vem de longe, pois desde sempre que os angolanos foram submetidos a regimes totalitários, a começar pelos nossos reis, que tinham direito de vida e de morte sobre os seus súbditos, passando pela dominação dos portugueses que nos desprezaram, manipularam e escravizaram durante quase 4 séculos, até aos dias de hoje em que nos encontramos a viver na esperança sempre renovada de termos um dia a sorte de alcançar a liberdade.

Por ser um mal que se arrasta há séculos como uma praga que não cessa de apoquentar o povo de Angola, os intelectuais angolanos debruçaram-se sobre os condicionalismos que presidem a tal situação nos tempos que correm, o que tanto mais se justifica quanto mais nos espantamos por serem os nossos próprios compatriotas que protagonizam actos atentatórios à dignidade dos nossos compatriotas, numa repetição por vezes ainda mais violenta que as exacções cometidas pelo Colono”.

William Tonet & Arlindo Santana

Esta é a visão do político e economista, Filomeno Vieira Lopes, deixada na conferência da AJPD, sobre “TRANSPARÊNCIA, CORRUPÇÃO, BOA GOVERNAÇÃO E CIDADANIA EM ANGOLA», no tema por si desenvolvido: “A corrupção no contexto angolano”.

Não vamos aqui descrever o que esse economista disse, porque seria de algum modo uma redundância das considerações tecidas pela docente universitária Mihaela Webba, do qual fizemos uma aproximação tanto quanto possível fiel nas páginas anteriores desta edição.

Limitar-nos-emos a realçar as passagens mais importantes para a defesa de uma tese que nós aqui no F8 não nos cansámos de defender, a manipulação das ferramentas democráticas para transformar um regime teoricamente aberto ao livre pensamento em pesado aparelho de Estado totalitário.

A palavra é dada a Filomeno Vieira Lopes:

“Na tradição do colonialismo português o poder era algo muito distante das elites angolanas. São raras as personalidades que ascenderam a cargos de gestão política no tempo colonial. Apenas nas associações cívicas e desportivas havia a oportunidade dos angolanos gerirem e exerceram o poder efectivo».

«No movimento de libertação nacional, com a componente guerrilheira, os Presidentes dos Partidos tinham por hábito controlar as finanças, por meio da qual, exerciam o poder de “dar” e “retirar”.

Não raras vezes tal tendência introduzia conflitos. Essas elites entendem que o aceso privilegiado a esse dinheiro era sobretudo fruto do seu labor pela luta de libertação nacional. Isto era a fonte de legitimação”.

(…)

“Por isto, o movimento da nacionalização permitia então, melhor que outro sistema, criar o mecanismo da concentração da riqueza na elite governante, obrigando todos os sectores fora desse esquema em sujeitarem-se aos ditames da elite, que percebeu, ainda no tempo a guerrilha que o controlo do dinheiro, permite o controlo da política e transforma todos os cidadãos em súbitos».

(…)

“Riqueza, conhecimento e força estavam inextrincavelmente unidos num só grupo. Os bens reais tinham uma grande força, bem como o nível de relações entre gestores que, por força de satisfazer a própria empresa eram “obrigados” a entrar em esquemas, em sistemas de compensações que foram progressivamente degenerando para sistemas de compadrio e corrupção. Está lógico de pressentir que o que caberia ao chefe era a parte de Leão.

A concentração inspirou, por seu turno, uma burocracia político-administrativa-militar para acesso à riqueza em que as pessoas estavam divididas por castas: Dirigentes, Responsáveis, Técnicos (superior, médio, básico) Administrativos, Operários.

Esse monopólio público era estruturado administrativamente pelo aparelho do Estado. Este, não orientava a actividade económica do ramo. Dirigia o conjunto das empresas públicas como se fosse o seu Gestor Principal. A partir daí ministros e secretários de estado, bem como o aparelho superior se abasteciam normalmente. Cada ministério que dominasse um certo sector produtivo era praticamente o seu “dono” e, o seu ministro, mandava na sua produção. o funcionário público administrativo tem que arranjar uma forma de tornar o seu trabalho com mais remuneração (surge a gasosa), o empregado motorista precisa de ficar com o transporte e fazer a sua “candonga - puxada”, enfim, mil e uma habilidades para perequar os rendimentos com o sector produtivo e enfrentar o nível de vida”.

(…)

Outras formas foram contempladas nomeadamente o acesso a Comissões (usufruto proibido por lei, inicialmente) por homologação de concursos, a realização de obras de construção em casas próprias inseridas na facturação global de projectos públicos, a aquisição de viaturas para uso privado englobados em pacotes de negócios públicos, o usufruto indevido de dinheiro para tratamento no exterior, o pagamento de estudos e outras facilidades através de fundos não contabilizados, a constituição de empresas fantasmas no exterior, sem controlo razoável do sistema legal da própria administração central, etc. Outro aspecto decorrente desse período é a admissão de cooperantes com salários exagerados sendo uma parte dele para os contratante”.

(…)

“Outra fonte de corrupção foram os negócios da guerra. Ao grande nível foram avançadas denúncias de percentagens sobre a facturação de compra de material bélico. O Partido Único: Formas de apropriação da riqueza. O cabritismo. O Nepotismo. O super-ego partidário”.

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Negócios. Comissões. Construção civil e não só. A prática de altas comissões para aprovação de propostas de trabalho está disseminada por praticamente todos os sectores da actividade económica, desde a construção civil à actividade bancária, na negociação de linhas de financiamento.

A aceitação dum negócio varia na razão directa, não da qualidade e preço da proposta, mas do “quantum” financeiro debaixo da mesa.

Uma vez que esses dinheiros são reflectidos na baixa qualidade das obras, as empresas estrangeiras não se coíbem de onerar a facturação.

Há anos foi notícia um escândalo observado na União Europeia de subornos dessa Instituição a individualidades à pretexto de facilitar a pesada burocracia que impedia o desenvolvimento de projectos. Recentes estudos dão conta da existência de sistemas da banca internacional que facilitam a corrupção nos países menos desenvolvidos.

O dito segredo bancário, é uma forma utilizada para encobrir fortunas que, afinal, aumentam o grau de liquidez dessas instituições. Muitos empreiteiros nacionais quase que são “coagidos” pelas entidades governamentais e administrativas para aceitarem tais práticas sob pena de não conseguirem obras ou serviços para realizar.

As consequências de tais comissões estão bem patentes na falta de qualidade das obras, mormente, na construção de estradas, tidas como descartáveis.

(…)

Podemos advogar dois níveis fundamentais da corrupção em Angola. A de Alta e de baixa intensidade.

1. Alta intensidade. Permite acumular riqueza para investimento e é praticada por altos funcionários do aparelho do Estado (dirigentes e responsáveis) e por sectores do generalato, mas também por redes organizadas de funcionários médios com grande acesso à informação. Somente no que diz respeito a fluxos ilícitos de capitais para o Exterior do País, o PNUD, num estudo por si encomendado afirma que foram detectados, entre o período de 1999 a 2008, cerca de 34 mil milhões de dólares, como supostos fundos colocados aí, devido a “transferências transfronteiriças de dinheiros resultantes de corrupção, o comércio de produtos contrabandeados, a evasão fiscal e outros crimes”.

2. Baixa intensidade. Permite melhoria da condição de vida, salto para a classe média, mas igualmente é tomado como um “jogo de soma zero”. Ganhámos como corrompidos dum lado e perdemos como corruptores do outro. Os sectores e as modalidades podem ser assim descritos. A lei e as normas não tem força para realização das necessidades dos cidadãos. A crença da resolução dos problemas está na rede de conhecimento familiar e social e na capacidade financeira para pagar serviços fora das normas estipuladas.

Capítulo da “Gasosa”

A gasosa parece ser hoje uma instituição na visão do político e economista do Bloco Democrático, que face à visão e veia crítica, não lhe é dado trabalho relevante, na SONANGOL, onde trabalha, por esta empresa pública ser dominada por uma matriz partidocrata/MPLA e “Eduardista”.

Na sua visão, a “gasosa” é uma ferramenta subreptícia para acesso a promoção (em várias empresas, Institutos, Polícia); e ainda a serviços; bolsa de estudo; roubo de projectos; lavagem de dinheiro; peculato; clientelismo; permissibilidade de entrada de produtos contrafeitos; acesso e passagem em concursos. (antes que o nome, após concurso feito, não surja nas listas de concorrentes), etc..

(…)

E quanto a problemática da corrupção endémica, existem formas angolanas únicas de corrupção, institucionalizadas pelo MPLA e José Eduardo dos Santos, ao longo dos 35 anos de poder, como se ilustra;

1. Nepotismo (redes familiares e trocas: regresso paralelo à economia de troca da 1ª República na dimensão recursos humanos e emprego com benefício mútuo)

2.Tráfico de influência – relacionado com a natureza política do poder, efectuado no seio do poder político, fora até do meio empresarial autónomo.

3. Criar dificuldades para ir buscar facilidades. Sobretudo na prestação de serviços públicos, onde a ineficiência não é necessariamente incompetência.

4. Evasão fiscal e outras formas de fuga ao fisco. Desde as falsas declarações, até a facilitação de falsas declarações de terceiros. Uma empresa com a qual trabalhei escreveu-me para solicitar ao Estado isenção de impostos por ter prestado formação ao pessoal angolano. A constatação de terreno permitiu aferir que não havia formação nenhuma. Grande parte dos gestores, deixa passar isto, para ir buscar recompensas.

(…)

Corrupção política ao rubro
Neste capitulo, o político faz uma incursão ao «modus operandi» do partido no poder, que utiliza fundos públicos para silenciar os potenciais opositores e assim continuar no poder.

“Partidos Políticos. É tempo de revelar que em 1992 foi efectuada uma operação sem precedentes de corrupção política. O Estado foi buscar dinheiro a venda de acções de empresas petrolíferas, bem como a linhas de crédito espanholas sediadas no Ministério do Plano.

Com estes dinheiros financiaram a compra de Partidos, um dos quais foi denunciado no Jornal de Angola, havendo usufruído 10milhões de dólares. Um outro partido rejeitou uma oferta de 2 milhões de dólares, uma frota de carros e outros benefícios para sair duma Coligação Política.

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Sectores sociais qualificados. Em 2008, entidades do MAT entregaram dinheiro a dirigentes da Plataforma Eleitoral como forma de os implicar numa suposta corrupção e criar as condições de expulsão do seu coordenador.

(…)

Agentes da Segurança do Estado agem por dentro dessas organizações para criar as condições da sua destruição, também através de circuitos de corrupção. (…)

O rapista, Brigadeiro 10 Pacotes, foi raptado para mudar de opinião política e ofereceram-lhe duas casas, dois carros e dinheiro.

(…)

Na imprensa são conhecidos os envelopes da Contra Inteligência, junto da Presidência da República e, ainda recentemente, jornalistas do Jornal de Angola foram pagos excepcionalmente para fazerem reportagens abonatórias ao comício de desespero do partido da situação a propósito da ameaça de manifestação do 7 de Março.

Regime de Nguxito pune ideias diferentes
1. A promiscuidade entre política e economia potencia a corrupção, protegendo o grupo, sobretudo, o núcleo central. Nada pode ser julgado que atinja o poder central. O excessivo poder, tornado referência obrigatória para a viabilidade da vida dos cidadãos, faz com que a ideologia dominante influencie o comportamento dos dominados, fazendo com que os métodos e procedimentos do grupo dominante sejam generalizados e seguidos por todos.

Só em momento de acentuada crise, se rompe com este padrão demagógico de que “todos beneficiamos do sistema” que a rejeição à corrupção se torna evidente e deixa de ser entendido como algo “normal”.

A promiscuidade conduz ao roubo descarado do erário público colocando o país na classificação de estado cleptocrático.

2. A interdependência entre regime actual e a construção social dum novo substrato social entrelaça-se com a corrupção, de modo que:

i. A corrupção é um pilar fundamental da sua constituição e funcionamento

ii. O combate à corrupção é entendido automaticamente como um combate ao regime (Alves da Rocha, expulso do Ministério do Plano, Rafael Marques, perseguido, e ainda se fala que o caso Miala está relacionado com denuncias de corrupção do pacote chinês) e sugere imediatas posições reactivas dos mídia oficial, ou tenta-se dar um passo em frente afirmando que o “importante é fazer bons negócios” pressupondo que o “bom” é o “ético”, bem como se traduz na “incapacidade de implementar sistemas de boas práticas” (SAP).

As denúncias formuladas no estudo de 1990 (mandado elaborar pelo próprio Presidente da República) bem como as relevantes propostas nunca foram tidas em conta.

O Governo também reagiu negativamente as denuncias de corrupção no Banco Nacional feitas em 1992 e hoje assiste-se a depravação de julgamentos uns atrás dos outros de escândalos de corrupção no Banco Central.

Os esforços do poder judicial são gorados com ameaças de morte. A defesa do regime confunde-se já com ameaças e assassinatos no seu próprio interior, só passível face a protecção de que certos sectores e indivíduos gozam.

iii. Logo, não é possível um combate eficaz nestas condições, porque o fenómeno é sistémico. Deriva daí a falta de vontade política, por virtude da sobrevivência do próprio regime. Razão por que degeneram todas as boas intenções (Alta Autoridade Contra a Corrupção, Lei da Probidade Administrativa, Campanha de Tolerância Zero, esta uma mera frase), bem como os esforços judiciais acima referidos.

3. Mau grado os limites lógicos, até porque o regime não pode ser eterno, porque isto é “contra natura”, o combate deve manter-se, numa estratégica de preservação de forças éticas e acumulação de saberes como factores de mudança. O combate deve passar da mera denúncia, aos esforços para que o poder Judicial assuma a sua função, mas passa, também, por haver um consenso sobre a corrupção e, sobretudo, a criação de sistemas e processos de integridade a todos os níveis da sociedade: administração pública, sistema judicial, instituições da sociedade civil.

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