segunda-feira, 18 de julho de 2011

A construção da Democracia e o fenómeno da corrupção em Angola -


Sob o tema de «A construção da Democracia e o fenómeno da corrupção na República de Angola» foi realizada em Luanda, dia 30 Junho 2011 no Auditório do Centro de Formação de Jornalistas (CEFOJOR), uma palestra apresentada pela jurista Mihaela Webba, da qual fazemos uma breve resenha sumariamente.

William Tonet & Arlindo Santana

Para começar, a conferencista apresentou um retrato alucinante da “demoniocracia” angolana, “Temos uma República sem republicanismo, um Estado democrático sem democracia, um Estado de Direito que viola os direitos fundamentais dos cidadãos e uma Constituição derivada de fraudes e fundada na inconstitucionalidade”.

Uma sinopse notável, pois com isso ela disse quase tudo o que define o estado lastimoso em que se encontra a sociedade angolana.

Numa demonstração de grande maestria analítica, Webba procedeu a um autêntico curto-circuito da sua argumentação, que lhe permitiu, embora tenha prosseguido no seu discurso uma pormenorizada abordagem sobre os principais aspectos do caminho para o descalabro social, político e humanístico de Angola.

Traçou uma linha mestra da qual ela não se desviou, considerando que o Estado angolano, tal como ele se apresenta hoje, na sua mais que aberrante forma, foi pura e simplesmente arquitectado e construído pedra a pedra, passe a imagem descabida, por intermédio de uma prática constante de corrupção a todos os níveis.

Como consequência desse permanente método de recorrer à corrupção foi criado um Estado gerido por uma Cleptocracia dominante, geradora de todas as outras vicissitudes que assolam o país, as quais foram sempre justificadas pela fatalidade da guerra

Quando a guerra chegou ao seu termo, caiu o véu e os angolanos começaram a perceber que a guerra, afinal, não era a causa principal da repressão, nem da corrupção e que “as desigualdades e a pobreza estão mais ligadas à exclusão social do que à guerra”. Razão pela qual “(…) Vemos hoje uma juventude empreendedora crítica, e participativa, que começa a perder o medo e a encher-se de coragem para reivindicar os seus direitos, para falar política e exercer o poder político, tal como a juventude revolucionária dos anos 60 e 70 do século passado. Considero que chegou o momento de todos “falarmos política”, frontalmente e apresentarmos propostas correctivas para construirmos o nosso futuro”.

E a pergunta que se coloca agora é: pode o Estado actual combater e punir a corrupção?
(…)
A resposta é NÃO.

Um pouco de história.
Vamos seguir as peugadas de Weeba desde o princípio.
“Depois de proclamada a República Popular de Angola, em 1975, o processo de construção da democracia, envolveu batalhas militares entre exércitos estrangeiros em solo angolano, intensa actividade diplomática em solo estrangeiro e pouco ou nenhum diálogo estruturado sério entre angolanos, em solo angolano. Esta é outra das razões porque o processo democrático se encontra encalhado até hoje”.

“Em 1975, as forças corruptivas sabotaram os Acordos de Alvor e impediram a organização de eleições livres para os angolanos elegerem uma Assembleia Constituinte e redigirem a Constituição da sua primeira «República».
(…)
A corrupção continuou a orientar a direcção política e institucional do país, por via de atentados e fraudes à Constituição.
(…)
Um desses atentados ocorreu em 3 de Junho de 1996, quando, em contravenção ao disposto no Artigo 118º da Lei Constitucional, o Presidente da República exonerou o Primeiro-ministro, um órgão autónomo, eleito (indirectamente) com a legislatura de 1992, antes do termo da legislatura e sem este ter apresentado a sua demissão, sem ter havido a eleição de um novo Presidente da República, uma moção de censura, a dissolução da Assembleia, ou outra situação de excepção, prevista na Lei Constitucional de então.
(…)
Um novo acto de corrupção que bloqueou o avanço do processo democrático ocorreu em 22 de Julho de 2005, por via judicial, quando Eduardo dos Santos causou que o Tribunal Supremo lavrasse o Acórdão relativo ao Processo Constitucional nº 12, que agrediu o princípio republicano ao decretar, na prática, que o Presidente da República em exercício poderia perpetuar-se no poder.
(…)
Os dois processos eleitorais realizados em 1992 e em 2008, também foram eivados de actos de corrupção na forma de fraudes estruturadas. A fraude eleitoral de 2008 foi planeada para permitir dois outros actos de corrupção: utilizar um acto democrático – a eleição – para subverter a democracia e utilizar os resultados laboratoriais da eleição para subverter os direitos políticos dos cidadãos, impedindo-lhes de exercer o direito a soberania através do sufrágio universal para a escolha do seu representante para o cargo de Presidente da República de Angola.
(…)
Assim, por via da corrupção, foi consagrada em 2010 uma Constituição autoritária, que foi aprovada em contravenção às regras procedimentais e ao princípio da separação de poderes que constitui limite material imposto em 1992 ao poder constituinte formal; que agride tanto o princípio republicano como o princípio democrático ao configurar-se instrumento e não fundamento do poder; que irá, por isso, bloquear a realização de processos eleitorais competitivos e credíveis, pelo facto de consagrar um sistema de governo que, segundo o professor Jorge Miranda, aproxima se, sim, do sistema de governo representativo simples , a que, configurações diversas, se reconduziram a monarquia cesarista francesa de Bonaparte, a república corporativa de Salazar segundo a Constituição de 1933, o governo militar brasileiro segundo a Constituição de 1967 1969, vários regimes autoritários africanos.
(…)
As motivações dos mediadores estrangeiros também se revelaram corrompidas: provam-no o fiasco de Gbadolite, promovido pelos interesses de Mobutu, em Junho de 1989, os interesses cruzados de Portugal, em 1975, as ambiguidades, cumplicidades e contradições americanas e soviéticas, na década de 90; e o papel geo-político que Cuba e África do Sul jogaram na defesa de interesses opostos à construção da República e da democracia angolana.

Se metermos em fila indiana as datas desses atentados à Constituição Nacional, 1975, 1992, 1996, 2005, 2008, 2010 e (mais que provavelmente) 2012, vemos claramente que há uma aceleração inquietante que se manifesta a partir da segunda metade da década do ano 2000, com mais atentados em 7 anos – levando em conta a provável mascarada de 2012 – do que nos anteriores 30 anos desde a Dipanda de 1975.

Isto, no meio de um esquema global do regime de auto-propaganda diária cientificamente difundida para levar o infeliz e “desletrado” povo de Angola a acreditar que estamos em democracia.

Mas, repetimos a questão colocada por Mihaela Webba: “pode o Estado actual combater e punir a corrupção?” E como a resposta é NÃO, como fazer então?

A esse propósito a conferencista apresentou uma série de propostas.

As teses de Mihaela Webba
Segundo a jurista “a relação entre o processo democrático e a corrupção é endémica. Ao longo dos anos, o fenómeno da corrupção tem obstruído o processo de construção da democracia angolana e esta encalhou”.

Na sua primeira tese Webba, como já vimos supra, mostra de que modo a corrupção política influenciou a construção da democracia. Vamos em seguida passar às duas outras, nas quais se estabelece uma ponte entre esta abordagem e os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito, do princípio democrático e do princípio republicano.

Antes de mais nada, os programas concretizadores da reconciliação nacional terão de ser abertos a todas as sensibilidades nacionais e abarcar toda a dimensão cultural, política e económica para se alcançar a plena restauração e renovação do tecido social.

Os angolanos têm de compreender e aceitar, por exemplo, as respostas às seguintes questões fundamentais:
“Quem deve deter o poder político?
Deter e exercer o poder político é a mesma coisa?
Por quanto tempo deve o titular deter o poder político?
Por quanto tempo deve o seu representante exercê-lo?
E como? E porquê que o poder político pertence ao povo e só pode pertencer ao povo?
E quem é o povo?
Que relação deve existir entre o titular do poder político e o titular de cargos políticos?

Quais as regras de acesso ao exercício do poder político? Porque é que os titulares de cargos políticos não devem participar na organização de eleições»?

Continuando nesta senda contestatária do poder estabelecido, Webba tece um certo número de considerações sobre a necessidade de lutar em bloco contra uma força monolítica que não olha a meios para impor a sua hegemonia.

Entre muitas das suas sugestões a fim de criar condições favoráveis para levar avante essa luta política, dentro do quadro de um Estado de direito ela diz “A actual geração só cumprirá o seu papel histórico se aceitar agora o desafio de firmar uma frente comum para criar as condições conducentes ao estabelecimento efectivo da República de Angola como Estado de direito democrático”.

E acrescenta, “(…) Angola vive um momento crucial de mudanças negativas que afectam a sua identidade e perigam o futuro do seu povo. Acho que chegou o momento de todos “falarmos política”, frontalmente e apresentarmos propostas correctivas para construirmos o nosso futuro. E penso que é para isso que todos estamos aqui. A realização de conferências como esta é muito importante, porque nelas podemos trocar ideias e programar outras acções. Eu trago algumas propostas”.

Eis o seguimento que ela dá ao seu fio de pensamento:
“O momento exige a intervenção do soberano para a restauração da república e a reformulação do Estado. Entendo serem estes os dois pilares da revolução político-cultural que Angola reclama. Repito: a restauração da república e a reformulação do Estado. E como se faz isso?

Proponho cinco medidas concretas, todas elas baseadas no princípio do estado de direito democrático e no princípio da soberania popular, consagrados nos artigos 2º e 3º da Constituição:

1. Reforçar o grau de participação individual no exercício da soberania;
2. Definir por consenso nacional o programa de reconciliação nacional;
3. Declarar anti-republicana e antidemocrática qualquer candidatura do actual Presidente da República a um cargo electivo do Estado;

4. Estabelecer por consenso nacional o novo sistema de governo para Angola
5. Estabelecer uma frente comum para terminar, por via eleitoral, o mandato do Partido/Estado na governação de Angola.

Numa palavra: MOBILIZAÇÃO DE MASSAS E UNIÃO DE FORÇAS DA SOCIEDADE CIVIL PARA COMBATER A DITADURA.

A luta radical em prol da democracia
Segundo Webba, “(…) O MPLA, ao excluir todos os outros (isto é, os outros, TODOS OS QUE NÃ SE REVÊEM NA SUA IDEOLOGIA) primeiro em 1975 e depois em 1991 e mesmo em 2010, definiu quem são os seus adversários. No plano militar, era a UNITA, mas no plano político é a toda a parte da Nação angolana que não se revê no MPLA”.

A esse vício de forma acresce o facto de que “(…)José Eduardo dos Santos não é um cidadão ordinário e não pode ser nivelado com os demais cidadãos, porquanto ele controla (não institucionalmente mas pessoalmente) a informação, a comunicação social, as finanças públicas e a economia. E para o efeito conta com a máquina administrativa do Estado e com estruturas paralelas, civis e militares; conta ainda com a ausência de controlo e a não prestação de contas; conta também com a subordinação do poder judicial e da actual administração eleitoral. O peso que os mais de 30 anos de exercício de poder lhe conferem, de direito e de facto, nas estruturas de poder político, económico, militar e social do país, distorce o processo político e democrático republicano. A sua eventual candidatura favorece uma eleição anti-republicana e contribui para impedir a renovação da legitimidade democrática e emperrar, ainda mais, o processo de construção da democracia”.

E não é tudo, porque, contrariamente ao que acontece no nosso país “(…) no sistema democrático os representantes do soberano não têm nenhuma autoridade para substituírem a vontade da lei pela sua própria vontade. É o direito, e não o arbítrio das pessoas, que regula as funções de governo e define as normas de conduta dos agentes do poder público. É a lei que limita o poder do governo. Durante muitos anos, estes conceitos foram corrompidos para sustentar interesses difusos. Uma guerra civil nunca pode ser feita para defender a soberania nacional porque todo o povo nacional, de um lado e do doutro, é o detentor único da soberania, que é una, indivisível, inalienável e imprescritível pela sua natureza”.

Resumindo, o regime actual não pode combater nem punir a corrupção, porque “o seu governo funda-se na corrupção e promove a corrupção por sistematicamente subverter a democracia, defraudar a Constituição e utilizar a res publica para promover a res privata dos titulares de cargos públicos”.

A conclusão irrefutável deste estado de coisas é que não se pode em caso algum conceber que esse homem, José Eduardo dos Santos, se apresente de novo como candidato à Presidência da República, primeiro, pelos motivos que foram enumerados supra, mas sobretudo por já ter exercido durante mais de trinta anos o poder político, sem demonstrar a mínima qualidade de chefe nacional, pois a sua única preocupação sempre foi defender interesses exclusivamente partidários ou familiares.

Temos pois de encontrar alternativas que nos ponham a salvo do regime de Partido/Estado e para Webba o êxito de qualquer programa de reconciliação nacional pressupõe uma exaustiva discussão interna sobre os rumos que o país deve seguir. Uma discussão exactamente não exclusivista, ou seja, exactamente o contrário do que actualmente é a lei inflexível de actuação política.

Encerrar o ciclo da CORRUPÇÃO
Tudo dito, a síntese da minha mensagem é: “o momento exige a intervenção do soberano para a restauração da República e a reformulação do Estado. Esta é uma exigência imposta pelos princípios consagrados nos artigos segundo e terceiro da Constituição.

“Vamos, por isso, reforçar o grau de participação individual no exercício da soberania; vamos definir por consenso nacional o programa de reconciliação nacional; vamos declarar anti-republicana e antidemocrática qualquer candidatura do actual Presidente da República a um cargo electivo do Estado; vamos estabelecer por consenso nacional o novo sistema de governo para Angola e vamos, desde já, estabelecer uma frente comum para terminar, por via eleitoral, o mandato do Partido/Estado na governação de Angola”.
Hoje, importa, acima de tudo, preparar plenamente o cidadão para viver uma vida individual na sociedade e ser educado no espírito dos ideais de: paz, liberdade, dignidade, igualdade, tolerância, justiça, fraternidade, solidariedade e democracia, como garantes da defesa e respeito pelos direitos fundamentais rumo à construção de uma Nação democrática e sem os perigos da corrupção quer seja económica, social ou política.

Esta é a mensagem que dirijo à esta Conferência sobre «Transparência, Corrupção, Boa Governação e cidadania em Angola».

Esta palestra de Mihaela Webba, quanto a nós, insere-se perfeitamente no âmbito do xadrez político angolano, como sendo uma referência no quadro da luta política, frontal, aberta e democrática, contra o “Eduardismo” totalitário.

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