sexta-feira, 8 de julho de 2011

ANGOLA, A GUERRA INJUSTA


F8, vai começar a partir desta edição a publicar trechos de uma importante obra, que aborda um período importante da história de Angola.
Neste excelente livro o general Del Pino relata minuciosamente o que se passou em Cuba e na guerra em Angola. Sugerimos vivamente a leitura deste livro a todos aqueles que estão interessados em saber a verdade sobre a descolonização de Angola. Colocámos a cor diferente as partes mais críticas para melhor localização. Como o livro tem copyright e não será fácil de adquirir àqueles que vivem em Angola, solicitamos a complacência da Editora e do autor.

General Del Pino*
Ediciones Universal ediciones@ediciones.com

O escritor, um dos mais destacados generais cubanos, que combateu em Angola e foi responsável pela entrega do poder ao MPLA diz a dado momento do seu livro na página 155: “- No entanto, somente sete meses mais tarde se apresentou a Fidel outra conjuntura que prometia melhores dividendos que o país sul-americano: os militares portugueses em 25 de Abril derrubaram a ditadura de Marcelo Caetano”.
Com este acontecimento transcendental apresentava-se não somente a possibilidade de influir uma viragem à esquerda no país lusitano senão muito mais que proveitoso ainda, facilitava-se a sempre esperada oportunidade de poder intervir directamente nas antigas colónias portuguesas sem correr risco algum. De todas, a fruta mais madura era Angola e o almirante vermelho Rosa Coutinho se encarregou de oferecê-la em bandeja de prata.
Nas pág.s 156/167, lê-se: “ Em 15 de Fevereiro de 1975, fui citado para uma reunião especial no Ministério das Forças Armadas. Ali fui encarregado da missão de seleccionar um grupo de oficiais especialistas da força aérea, capazes de garantir as condições mínimas necessárias num aeródromo para o seu funcionamento e a recepção de aviões de transporte.
Não obstante o grande segredo que se mantinha sobre a planificação daquela operação, tiveram de comunicar me onde e para quê se necessitava de activar um aeródromo, pois era a única maneira de poder organizar o grupo dos homens capazes de cumprir essa missão.
Para meu assombro, que não estava seguindo o desenvolvimento dos acontecimentos nas colónias portuguesas de África, causou me grande surpresa saber que o aeródromo em questão se encontrava nada mais nada menos que no profundo do território da longínqua e afastada Angola.
As explicações posteriores me foram tirando do meu desconhecimento até que cheguei a ter uma ideia aproximada do que se pretendia fazer pelo Alto Comando de Cuba. Tinham começado os planos para futura "Operação Carlota".
Em 25 de Abril de 1974, um levantamento militar tinha derrubado a ditadura de Marcelo Caetano. Uma das principais medidas anunciadas pelo novo governo foi a decisão de dar a independência às suas antigas colónias da Guiné Bissau, Cabo Verde, Moçambique e Angola. No caso das três primeiras não existiam maiores dificuldades, pois estava bem definido o movimento independentista que tinha encabeçado a luta contra os colonialistas portugueses; no entanto, com Angola existia a dificuldade de que três movimentos independentistas que tinham lutado contra a antiga metrópole se adjudicavam separadamente a legítima representação das aspirações do povo angolano. O novo governo de Portugal consegue sentar à mesa de negociações os três líderes destes movimentos e em 15 de Janeiro de 1975 assinam na costa portuguesa do Algarve o acordo de Alvor.
Este acordo estabelecia como data da independência o dia 11 de Novembro de 1975. Até esse dia o país seria regido pelo Alto Comissário português, um governo provisório integrado pelos três movimentos de libertação os quais teriam três ministérios cada um e o primeiro ministro seria rotativo equitativamente entre os três movimentos. Em Outubro deveriam fazer-se eleições livres para eleger a assembleia constituinte.
O Acordo de Alvor previa forças armadas angolanas compostas por 8.000 efectivos de cada um dos três movimentos. Por sua vez permaneceriam no país 24.000 soldados portugueses para garantir a paz os quais começariam a ser evacuados paulatinamente deste o primeiro dia de Outubro até onze semanas depois de proclamada a independência no dia 11 de Novembro.
Depois de inaugurado o governo provisório de transição em Luanda no dia 31 de Janeiro de 1975, deu-se início a uma desenfreada corrida ao armamento entre o MPLA apoiado pelos soviéticos e a FNLA apoiado pelo chineses, romenos e norte coreanos. Centenas de toneladas de armas procedentes de esses países começaram a chegar a Angola por diferentes vias para armar estes movimentos que não tardaram a enfrentar-se numa luta sem quartel.
O Alto Comissário português almirante Rosa Coutinho, conhecido como o "Almirante Vermelho" pelas suas ideias comunistas, foi factor decisivo para que o MPLA se impusesse nesta luta pelo poder ao permitir todo o tipo de liberdade de acção à desmesurada entrada de armamento soviético e aos primeiros contingentes oficiais cubanos que, como é lógico, acudiam em ajuda ao movimento apoiado pela URSS.
Encarniçados e violentos combates entre o MPLA e a FNLA se davam diariamente nas ruas de Luanda, até que a FNLA se viu na necessidade de abandonar a capital e estabelecer-se no norte do país.
Em 4 de Julho de 1975, duzentos e cinquenta recrutas da UNITA foram massacrados em Luanda pelo MPLA na cidade de Luanda. Perante estes factos, a direcção da UNITA decidiu retirar da capital e concentrar-se nas cidades do planalto central de Angola. Desta maneira só ficava em Luanda o MPLA esperando a partida dos portugueses.
Desde o início de 1975, em diversas conversações secretas tidas em La Habana entre o governo cubano, oficiais esquerdistas portugueses e dirigentes do MPLA se acordou enviar grupos de oficiais cubanos para que servissem como assessores em diversas escolas e centros de treino militar que foram organizados em vários lugares dos país. Além disso estes oficiais cubanos deviam preparar as condições necessárias que garantiram uma escalada ulterior com o envio de grandes contingentes de tropas regulares.
A organização dos centros de treino militar correu totalmente a cargo dos cubanos, empregando armamento e equipamento militar que era fornecido pelos soviéticos em quantidades fabulosas desde Agosto de 1974. Somente nos últimos meses deste mesmo ano o MPLA chegou a receber mais de dez milhões de dólares em armas de diferentes tipos.

O general Del Pino cumprimentando Agostinho Neto.
Começou uma rápida corrida contra relógio. O eixo Cuba-URSS-MPLA considerava que quem estivesse na posse da capital no dia 11 de Novembro, data assinalada no Acordo de Alvor para a proclamação da independência, seria quem alcançaria o poder. Ainda que só a periferia urbana estivesse nas mãos do MPLA e o resto dos 1.246.000 quilómetros quadrados do imenso território angolano foi controlado totalmente pelos outros movimentos de libertação, aqueles que se encontravam em Luanda poderiam informar o mundo que eram os legítimos governantes.
O eixo Cuba-URSS tinha valorizado muito bem que a situação mundial favorecia amplamente os seus planos. O colapso sofrido pelos Estados Unidos da América do Norte no Vietname lhe impossibilitava de acometer qualquer acção de envergadura contra a aberta intervenção comunista em Angola.
Os soviéticos não eram bem vistos em África, mas possuíam mas tinham uma insubstituível carta de trunfo: O Cavalo de Tróia das tropas cubanas.
Por sua vez, Cuba soube aproveitar muito bem as raízes africanas do seu povo enviando nos primeiros grupos de oficiais a maior quantidade de descendentes daquele continente que de imediato ganhou a aceitação por parte dos nativos.
Tudo era questão de esperar e resistir sem perder a capital. Uma incrível concentração de armas e equipamento bélico esperavam dentro dos enormes aviões de transporte AN-22 o sinal para partir de diferentes aeroportos da União Soviética em direcção a Luanda, enquanto comboios de barcos zarpavam dos portos de Mariel em Cuba e Riga na URSS em direcção à África austral.
A descomunal maquinaria bélica comunista tinha começado a andar e nada era capaz de detê-la. As tropas portuguesas comandadas pelo "Almirante Vermelho" permitiam livremente todo o tipo de movimento às forças do MPLA e aos assessores cubanos assim como a recepção e desembarque dos carregamentos de armas que ininterruptamente chegavam à capital angolana.
Na reunião para que fui convocado em 15 de Fevereiro de 1975, eu tinha proposto o envio inicial de dois especialistas qualificados da força aérea que exploraram o terreno e depois nos informaram das condições existentes para poder enviar o resto do grupo. Desta forma a finais de Março de 1975 chegaram a Luanda o coronel Jaime Archer Silva, piloto de combate e ex-chefe da base aérea de Santa Clara na província cubana de Las Villas e o tenente coronel Ángel Botello de Ávila, especialista em logística de aviação, graduado na URSS e quem até ao momento da sua designação tinha estado como chefe dos serviços de retaguarda, também na base aérea de Santa Clara.
A missão fundamental destes altos oficiais consistia em determinar todas as necessidades existentes para poder operar no aeroporto de Luanda independentemente dos especialistas portugueses e angolanos que ali se encontravam, assim como a base aérea de Henrique de Carvalho (Saurimo) situada no extremos norte do país.
Em finais de Junho desse ano, somente a dois meses de se ter dado o colapso do governo pro-norte americano do Vietname do Sul, ordenaram-me partir para Saigão com o fim de estudar os diferentes aviões e tecnologia militar do ocidente ocupadas pelos Vietcong. Isto fez com que me alheei um pouco dos planos que se levavam a cabo para a nossa intervenção em Angola e no meu regresso encontrei o coronel Archer recém chegado de África com toda a informação necessária.
Os portugueses permaneciam em Luanda mas tinham entregue ao MPLA a base aérea de Henrique de Carvalho (Saurimo). Esta apresentava o inconveniente de se encontrar muito longe da capital, a quase 1.200 quilómetros no profundo território angolano pelo que se dificultava o envio de meios logísticos para as operações dos voos que ali deviam de aterrar, fundamentalmente o combustível.
Não obstante, para manter activo aquele aeródromo e operar os seus meios de comunicações e outras instalações enviámos em fins de Agosto, conjuntamente com o coronel Archer que partia novamente, dois técnicos de comunicações, um técnico de iluminação de pista, um engenheiro de telecomunicações, um técnico de energia especialista em geradores e centrais eléctricas, vários especialistas e operadores de equipamento de rádio-ajuda à navegação, um engenheiro em combustíveis e lubrificantes, um engenheiro em equipamento de segurança logística de aviação com a responsabilidade de atender os abastecedores de combustíveis, centrais auxiliares de arranque dos aviões (APU), equipamentos de oxigénio, etc.
Além disso enviou-se o capitão Armengol, piloto de transporte especializado em aviões ligeiros para servir de contacto e um mecânico de aviação. Posteriormente, nos primeiros dias de Setembro enviámos o coronel Juan Céspedes, também piloto de transporte, para que voasse exclusivamente como piloto pessoal do general Diaz Arguelles, chefe principal das tropas cubanas em Angola.
Este grupo especial da Força Aérea manteve operacionais as instalações da base aérea de Henrique de Carvalho (Saurimo) até que o general Diaz Arguelles decidiu que partissem para Luanda tendo permitido as autoridades portuguesas todo o tipo de operação no próprio aeroporto da capital e tornando-se desnecessário realizá-las ocultamente em Saurimo.
Os portugueses entregaram vários aviões de transporte DC-3 a este primeiro grupo de cubanos da Força Aérea para que começassem a realizar voos de abastecimento logístico para diferentes zonas do país onde se encontravam oficiais cubanos, formando aceleradamente o novo exército do MPLA. Também se conseguiu autorização das autoridades portuguesas para por à disposição dos cubanos dois aviões de transporte turbo-hélice modelo F-27 e dois DC-3, todos pertencentes à companhia angolana TAA (Transportes Aéreos de Angola). Do Congo Brazzavile já se tinham trazido dois aviões de transporte militar Nord Atlas cedidos pelo presidente dessa nação Marian Nguabi e outro de Moçambique entregue por Samora Machel.
Com todos estes aviões formamos um esquadrão de transporte que ininterruptamente durante o dia e noite começou a fazer missões de abastecimento às tropas cubanas e às do MPLA: transporte de feridos, de armamento, missões de exploração e, fundamentalmente, o transporte de Brazzaville até Luanda dos contingentes militares cubanos que continuavam chegando àquela localidade em aviões Britannia procedentes de La Habana. Para poder operar este esquadrão de transporte, desde meados de Setembro tínhamos enviado de Cuba três pilotos da Cubana Aviação, os oficiais da reserva da Força Aérea, Francisco Cuza, José Ramos Pagan e Elias Moisés Pasto aos quais se uniram os capitães no activo da Força Aérea, Efraín Muñoz Cordove, Amaury Léyva e Raul Ortiz. Junto a este pilotos cubanos participaram amplamente dois pilotos angolanos de nome Sampayo e Yardini.
Os meses de Outubro e Novembro de 1975 foram sombrios e angustiantes. Sabíamos que a missão era manter Luanda a todo o custo pois posteriormente se efectuaria a mudança radical mas as tropas da FNLA acercavam-se perigosamente à capital pelo norte e pelo sul as forças da UNITA avançavam a uma velocidade vertiginosa apoiadas por unidades blindadas sul-africanas que começaram a penetrar em território angolano em 23 de Outubro desse ano. Não obstante ter-se recebido um considerável reforço nos primeiros dias de Outubro com a chegada de barcos cubanos que transportavam armamento e tropas, parecia totalmente que ia ser impossível deter o avanço da FNLA e da UNITA. A balança começava a inclinar-se perigosamente em favor do inimigo. Os projecteis da artilharia pesada de 140mm das forças de Holden Roberto começavam a detonar nos subúrbios da cidade.
Pelo Este, perigosas colunas da UNITA avançavam ao longo da linha do caminho de ferro (CFB) que atravessa todo o centro de Angola unindo o porto do Lobito no Oceano Atlântico com o Zaire e Zâmbia. Estas colunas encontravam-se às portas da cidade do Luso (Luena) com a intenção de tomá-la e desenvolver a ofensiva em direcção a Teixeira de Sousa para apoderar-se por completo desta estratégica via férrea. A situação não podia ser mais alarmante.
No dia 23 de Outubro as tropas da FNLA arremetem contra as forças cubanas ao norte da capital e são derrotadas. Cinco combatentes cubanos ficam isolados atrás das linhas inimigas e arrastando-se vários quilómetros durante a noite conseguem chegar às suas posições anteriores.
A FNLA reagrupa as suas forças e na manhã do dia 6 de Novembro lança um segundo ataque com mais de 64 veículos blindados apoiados por uma forte e intensa preparação de artilharia. É derrotada novamente e as nossas tropas conseguem capturar os três primeiros mercenários brancos de origem portuguesa. A FNLA tinha encontrado uma forte resistência e apercebe-se de que as tropas à defesa não tem possibilidades de contra atacar e que paulatinamente se vão debilitando.
No dia 5 de Novembro tinham partido de La Habana vários aviões Bristol Britânnia de Cubana Aviação transportando várias unidades das nossas tropas de elite das tropas especiais de assalto com o fim de reforçar a direcção norte e poder fixar o inimigo nessa frente. Simultaneamente, no próprio dia 6 ordena-se aos oficiais cubanos da Força Aérea tomar o aeroporto civil de Luanda para garantir a chegada e o desembarque das nossas tropas de elite. Ao anoitecer desse mesmo dia, o coronel Jaime Arvher conjuntamente com os oficiais da Força Aérea mais uma companhia das FAPLAS composta por 95 homens, penetram com vários transportadores blindados BTR-60 no aeroporto civil e o tomam.
Às 21.00 hora local aterrou o primeiro Britannia tripulado pelo capitão Wilfredo Pérez e dirigiu-se ao lugar que lhe indicou a torre de controle. Esta última tinha sido também tomada pelo piloto Francisco Cuza para garantir a aterragem e a posterior direcção da aeronave em terra. Minutos mais tarde aterraram o resto dos aviões.
As tropas recém chegadas dirigiram-se ao aquartelamento do Grafanil na periferia da cidade o qual já tinha sido entregue pelos portugueses aos cubanos, vestiram os seus uniformes de campanha e partiram directamente para a frente.
No dia seguinte, 7 de Novembro, chega a Ponta Negra no Congo Brazzaville um barco soviético transportando grande quantidade de armamento e entre ele várias baterias de artilharia reactiva BM-21. Cinco destas máquinas com os seus módulos de projécteis foram transbordadas para o barco cubano "La Plata", o qual as conduziu directamente para o porto de Luanda. Depois de desembarcadas foram montadas no lugar durante a noite de 8 e levadas ocultadamente para a direcção perigosamente ameaçada de Quifangondo.
Na frente sul a situação não podia ser mais desalentadora e preocupante. As colunas da UNITA apoiadas pelos blindados sul-africanos, que em 23 de Outubro tinham iniciado a sua rápida ofensiva para o norte, chocam dias mais tarde com os instrutores cubanos do centro de treino militar Nr.2 de Benguela, cercam esta cidade e o porto do Lobito e marcham aceleradamente para a capital pelas estradas que bordeiam a costa atlântica.
*(Continua) Ex-general cubano, que combateu em Angola



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